Debret

MUSEUS CASTRO MAYA / IBPC-RJThe Interior do Cigano Casa: pinturas que atestam depoimento presença do pintor MUSEUS CASTRO MAYA / IBPC-RJ

Fechar os olhos e criar, na sua imaginação, as imagens do Rio de janeiro durante os tempos coloniais: eu aposto que eles serão como as obras de Jean-Baptiste Debret (1768-1848), com os seus negros, fontes, cauda revestida de nobres e damas de lixo que vai chegar a sua cabeça. Apesar de preencher nossa imaginação, o que realmente sabemos sobre ele e sobre sua obra onde todas essas figuras são mostradas, a Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil, publicada pelo artista entre 1834 e 1839? A tentação é classificá-lo como Apenas mais um daqueles inúmeros viajantes que vieram ao país para descrever aos europeus seu exotismo e atraso.”Ele, ao contrário dos outros, amava verdadeiramente o Brasil e compreendia profundamente os quinze anos que passou aqui. No que está sendo mostrado os costumes Brasileiros, ele queria associar-los em um projeto para a correção de um território que, segundo ele, mereceu estar entre os maiores da Europa”, afirma Valéria Alves Esteves Lima, em seu recentemente defendeu tese de doutorado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), A Pitoresca e História da Viagem de Debret: uma Nova Leitura, que teve apoio financeiro da FAPESP.

, Em que o pesquisador revela que a magistral obra de Debret, de imagens e textos, foi fruto de um projeto pessoal do artista, que se pretende muito mais do que apenas documentar o país, mas para escrever o “Brasileiro ” biografia”, baseado em sua iluminista crenças (herdado do contato com o pintor Jacques-Louis David, que foi seu mestre) e a partir de uma longa experiência pessoal de viver na Corte Real e o povo do Rio antigo. Assim, Debret, o historiador, aparece. “Em vez de captar as imagens do que via como dados que ilustravam uma experiência durante uma jornada, Debret elaborou um pensamento sobre o Brasil e autenticou suas imagens sobre falar ao público através de suas reflexões”, observa Valeria.

“Assim, não é simplesmente uma trajetória ou uma viagem que ele está descrevendo, mas um projeto intelectual sobre a marcha da civilização no Brasil”, o professor analisa. Ou nas palavras do próprio Debret: a marcha progressiva da civilização, como escreveu o pintor/escritor no volume 2 de uma viagem pitoresca e histórica ao Brasil. Um filho do Iluminismo, pois Debret a ideia de progresso era irreversível; mesmo que a realidade diante de seus olhos (e ainda mais claramente diante da nossa, por meio de suas litografias) ele não mostrasse o país do futuro, mas do mundo antiquado.

“para ele, a ideia de avanço poderia abrigar períodos de estagnação, mas seriam superados e regenerados, que é o processo a que se refere e através do qual o Brasil estava passando após a chegada da família real ao Rio”, diz a pesquisadora. “Era preciso ilustrar os hábitos e costumes do Brasil antiquado para que não houvesse dúvidas sobre o avanço da civilização, promovido pela Casa de Bragança no Brasil.Ainda mais porque havia uma lacuna entre sua chegada ao país em 1816 (aos quarenta e oito anos de idade, um artista maduro e bem preparado) com a missão francesa e seu retorno à França em 1831 (então com sessenta e três anos de idade) e os quase oito anos em que dedicou cuidadosamente seu trabalho. O professor nos alerta para um aspecto quase geralmente esquecido de Debret: o texto que acompanha as imagens da viagem pitoresca. “Ele mesmo afirmou que’ o que um revela o outro complementa.”Se as imagens tivessem uma vida autônoma, sua escrita falava de um Brasil que havia mudado desde a elaboração dessas imagens, de como havia transformação e progresso”, observa Valeria. “Sem o texto, a imagem do Brasil que ele tão amorosamente registrou seria contrária ao que ele pretendia.”

detalhe Fundamental: na Europa, Debret praticamente não alterou as aquarelas que pintou no país durante sua estada. Mais uma vez, o historiador aparece ao lado do artista. No entanto, um historiador um tanto parcial e muito envolvido no tema. Preocupado com seu projeto brasileiro, ele fez uma seleção do material, selecionando o que o interessava para provar sua visão do futuro do país e para espalhar ainda mais suas idéias, ele transforma suas cores da água em litografias, um meio de espalhar suas idéias de forma mais barata e mais ampla. O mundo precisava conhecer o Brasil que ele amava.

iluminista Moderno
mas este amor nacional tinha profundas raízes europeias. Nascido em Paris em 1768, Debret frequentou o estúdio Jacques-Louis David, onde aprendeu que, na modernidade iluminista, o ideal artístico estava na tríade da arte, política e história. “Com David aprendeu que a arte precisa atender às necessidades do momento e que o artista é, nesse sentido, responsável pelo ajuste entre arte e história”, observa Valeria. “Por isso Debret a historiadora aparece no momento da elaboração dos textos e na organização do material para publicação”, avalia.

“nesta fase, que é a de explicitar sua visão do Brasil, Debret faz o esforço de dar aos seus registros uma atualização histórica que eles não tinham mais e que poderia comprometer o conteúdo desejado de seu tema.”David também foi um dos pilares da arte-testemunho da estética neoclássica: o artista tem que mostrar, sempre que possível, o que ele havia espelhado. Para mostrar Marat morto em seu banheiro, é necessário vê-lo em um banho de sangue. História pintada em seu momento.

realidade Brasileira
os passos de seu mestre, Debret transformou-se em um pintor histórico de cenas e este seria o seu destino em sua chegada ao Brasil, juntamente com outros colegas franceses: entre todos eles seria Debret, por causa de sua escolha, que teria garantido o acesso a pessoas poderosas que queria ver-se espelhado para a posteridade. Devido a isso, ele fez muitos adversários entre seus pares franceses que se sentiram enfraquecidos quando confrontados com a importância adquirida pelo pintor. Isso ajudou a impulsionar ainda mais a carreira de um artista que havia chegado ao Brasil para ensinar a metodologia que era dominante nas terras Europeias. Durante 1826, ele se transformou na alma da Academia de Belas Artes.

” foi nesse ponto, adquirindo um conhecimento crescente sobre os problemas e reformas do país, que ele ganhou uma visão muito clara sobre a realidade do Brasil. Debret conversou com os monarcas, ministros, políticos e, ao mesmo tempo, recebeu estudantes de diferentes partes do país, que contou-lhe detalhes de suas regiões, que ele não sabia, mas que ele poderia descrever, em seu livro” Valéria explica. “Ele também pôde contar com a ajuda de viajantes europeus, mas, ao contrário deles, teve uma experiência pessoal que foi muito além e não o restringiu a uma mera descrição das cenas do dia a dia, mas refletiu sobre elas.”

mais uma vez a presença de Davi: o que vemos em suas imagens não é uma cópia da realidade, mas uma verossimilhança que atesta a presença do pintor naquele momento. Há uma sutil complexidade em que este retrato quase fiel às ruas e o tribunal, que parece mover-se diante de nossos olhos, mesmo depois de séculos, mas, ao mesmo tempo, é fruto de uma opção consciente do pintor, intrinsecamente ligada à de sua projeção de uma visão do futuro da nação.Diderot, outro iluminista, já havia chamado a atenção para o” libertinismo da razão”, o pensamento que quer racional e precisão mais cedo do que o ideal. “O vínculo com a realidade é apenas um dos aspectos da composição, cujo resultado incorpora um longo esforço de reflexão e uma rede bem traçada de intenções”, diz Valeria.

leve deslealdade
a partir daí, há a leve deslealdade ao idealismo em suas imagens dos índios brasileiros, que ele mal via e cuja pintura não se encaixava no papel “testemunhal” de Davi. “Ele os conhecia de relatos de outras pessoas e de visitas a museus onde podia ver artefatos e roupas. E foi a partir deste espaço urbano que ele passaria a levar os fatos e eventos que foram importantes para suas obras históricas de arte”, diz ela. “Assim, em sua interpretação da população brasileira, ele praticamente abandonou a ideia de uma população selvagem e exótica. Sua avaliação do brasileiro não é a de um indivíduo marcado por uma relação constante e direta com a natureza.De fato, a natureza só aparece enquanto é sensível ao Domínio da ação do homem, modificada e domada pelo progresso. Suas imagens dos nativos são fruto de sua projeção: desde o início, elas aparecem em sua aparência exótica e primitiva, mas, através das imagens (e mais tarde no tempo) ele prefere pintar índios modificados e, do seu ponto de vista “melhorado” – através do contato com a civilização. Quando ele mostra habitações e artefatos indianos, é apenas com o propósito que o leitor sentirá que esse estágio já foi superado pelo progresso.

“segundo sua leitura, a civilização foi a superação de uma fase natural que impedia o avanço das qualidades inatas do brasileiro. Daí a urgência de organizar seu passado histórico, organizado em volumes de sua jornada, de forma a evidenciar ao europeu que esse caminho inevitável leva ao progresso no Brasil”, observa o pesquisador. “O primeiro volume da jornada foi dedicado à população indígena, em um estado não civilizado, mas ao mesmo tempo, o ponto de origem da população civilizada: é a partir dos incivilizados que o pensamento iluminista de Debret vai interpretar o avanço da civilização no Brasil”, acrescenta. No final, não há nada mais adequado do que provar, por meio do poder do tempo, o idealismo do progresso irreversível, mesmo das piores condições de partida.Da mesma forma, o cenário sempre desaparece quando pode comprometer o leitor que quer que suas imagens sejam mantidas pelo público europeu. “A natureza, o espaço a partir do qual nasceu a ideia do homem brasileiro entre a maioria dos viajantes e intérpretes do país, era para ele o domínio do homem civilizado. Sua riqueza e seu caráter selvagem e indomável também serviam às suas necessidades, seja como espaços de crescimento, seja como modelos para a pintura do cenário e da história”, observa o pesquisador. Mesmo na floresta mais exótica e pitoresca, o homem civilizado é mais forte.Há, portanto, neste idealismo de progresso algo retrogrado aos nossos olhos modernos, um sentimento inaudível de respeito por esses negros. “Neste país tudo volta para o escravo negro”, Escreve Debret. Mais do que nunca, o desejo de reflectir fielmente na Jornada “o caráter e os hábitos dos Brasileiros em geral” vem e, desta forma, seria impossível olhar para o preto em uma outra perspectiva, que não é de sua suprema importância na maioria dos costumes e atividades da colônia. “Há na representação iconográfica dos negros uma força física e moral que sobrevive aos comentários denegriantes de Debret. O modelo clássico que é usado para retratá-los, levantou-os aos olhos de quem vê suas pinturas”, observa o autor. Para o pintor francês, preocupado com o futuro do Brasil, a mistura de raças teve uma função fundamental, através da União da força física dos negros e do “intelecto superior” dos brancos. Graças também a ele podemos perceber a intimidade entre senhores e escravos na casa principal cujas consequências foram tão bem descritas por Gilberto Freyre.No entanto, sobre a questão da escravidão, o historiador bem intencionado caiu em uma Armadilha de contradições entre seu discurso e crenças e a terrível realidade. “Nossas imagens deste mundo ganham um aspecto confortável das cores da água de Debret”, diz Valeria. Assim, mesmo ao pintar um escravo punido de maneira realista, texto e imagem se harmonizam como parte da maior projeção do iluminista: a cena é hedionda e chocante, mas o texto afirma que a penalidade à qual o escravo está sendo submetido no tronco da árvore estava dentro dos limites da lei. O liberalismo de Debret elevado ao extremo entra em choque com sua visão da realidade.

“acaba criando, como historiador, uma confortável Realidade idealista, querendo que acreditemos que estivemos diante de um país em formação e que estava se preparando para o futuro”, conclui a pesquisadora. Dois séculos depois, Stefan Zweig, em o País do Futuro, tentaria mostrar a mesma coisa, sem grande sucesso.

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